Eu devia estar contente
Porque tenho um emprego
Sou o dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz porque consegui comprar
Um Corcel 73
Eu devia estar alegre e satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na cidade maravilhosa
Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isto uma grande piada
E um tanto perigosa
Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto, e daí?
E tenho uma porção de coisas grandes
Pra conquistar, eu não posso ficar aí parado
Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o Domingo
Pra ir com a família ao jardim zoológico
Dar pipoca aos macacos
Ah, mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco
É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo
Limitado, e que só usa dez por cento
de sua cabeça animal
E você ainda acredita que é um doutor
Padre ou policial
E que está contribuindo com sua parte
Para o nosso belo quadro social
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dente, esperando a morte chegar
Porque ao longo das cercas embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
Dum disco voador
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dente, esperando a morte chegar
Porque ao longo das cercas embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
Dum disco voador . . .
|